Foram 4 minutos e 44 segundos de um tom bastante
apelativo. Agora! Atenção!, repetia o deputado André Janones
(Avante-MG), tal qual um locutor de promoção em supermercado, para
tentar mobilizar sua rede de seguidores virtuais pelo
auxílio-emergencial de R$ 600. De seu gabinete em Brasília, sem qualquer
preocupação estética além de uma camisa social e gravata roxa, Janones
fez na terça-feira, 1º, pela manhã, a live mais comentada no mundo
ocidental no Facebook.
Eu preciso de vocês agora, nós temos informações de dentro do Palácio
do Planalto de que o clima está muito tenso. Eles estão lá agora
reunidos, atentos a tudo que está acontecendo aqui fora, dizia o
deputado, enquanto o presidente Jair Bolsonaro afinava o discurso com a
equipe econômica e sua nova base parlamentar do Centrão para anunciar a
redução do auxílio à metade. Não é justo que o povo brasileiro tenha
que enfrentar essa pandemia com auxílio de R$ 300 por mês enquanto a
classe política continua do alto de seus mais de R$ 30 mil mensais,
afirmava ele, que recebe esse mesmo salário criticado.
Janones atingiu 3,3 milhões de visualizações e 177 mil comentários. O
monitoramento é do pesquisador Fábio Malini, do Laboratório de Estudos
sobre Imagem e Cibercultura (Labic). O deputado igualou a marca da pop
star sertaneja Marília Mendonça, cantora recordista no YouTube durante a
pandemia do novo coronavírus.
Assista a live aqui
No vídeo, Janones dá dicas para o que afirma ter sido crucial para
atingir tamanha visibilidade e engajamento: a convocação de um tuitaço
com a hashtag #600pelobrasil. Focado no Facebook, onde tem 6,7 milhões
de seguidores, ele recentemente expandiu sua atuação para o Instagram,
rede de fotos e vídeos, para a plataforma de vídeos YouTube e o
microblog Twitter. Animado, Janones ensinava como os seguidores deveriam
fazer para levar a campanha pela manutenção dos R$ 600 ao top
trendics (sic) da rede na verdade, o parlamentar queria dizer
trending topics os assuntos mais comentados do momento.
Vai lá no Twitter agora. Não precisa escrever mais nada: jogo da velha,
que é a hashtag, 600 pelo Brasil, tudo emendado. Seis, zero, zero,
pelo, com p minúsculo, e Brasil com b minúsculo. Não vamos entregar o
jogo. É importante essa hashtag subir agora. Vamos ser notícia no
Brasil, vamos mostrar que o povo não aceitou, não desistiu de lutar,
orientou o deputado.
Ao Estadão, Janones disse que o vídeo cresceu de forma espontânea, e que
tudo é produzido por ele mesmo, sem superprodução, a lá clã
Bolsonaro. Apesar disso, ele admitiu ter pagado por impulsionamento em
outras ocasiões. A Câmara registra despesas de R$ 28 mil, neste ano, com
propaganda do deputado no Facebook, e mais R$ 20,8 mil com consultorias
e trabalhos técnicos, entre as quais produção de vídeos para suas
redes. Segundo Janones, foram despesas pontuais para divulgar emendas
enviadas para cidades do interior.
A ascensão virtual é atribuída por ele à greve dos caminhoneiros, em
2018, quando se tornou nacionalmente conhecido como liderança o
parlamentar atuava como advogado do movimento. Sem a greve e o Facebook,
diz que não teria sido eleito. Mas também reputa a eleição aos dez anos
de trabalho social no Triângulo Mineiro, prestando atendimento como
advogado a pessoas que buscavam tratamento médico no Sistema Único de
Saúde (SUS). Foi, ainda, cobrador de ônibus, escrevente no Tribunal de
Justiça de Minas Gerais. Com apoio das redes, em 2018, recebeu 178.660
mil votos. Antes, havia perdido a eleição para prefeito de Ituiutaba
(MG), sua cidade natal.
A mobilização pelo auxílio emergencial rendeu mais de 2 milhões de
curtidas ao deputado na rede social de Mark Zuckerberg. Janones contou
que passou a crescer mais há uma semana, quando Bolsonaro instou uma
seguidora a dizer de onde tiraria dinheiro para manter o auxílio de R$
600. Ela usava argumentos de Janones para questionar o presidente e o
deputado aproveitou a brecha para enviar sua proposta ao Ministério da
Economia.
Em lives, Janones reveza um tom exaltado para comentar o cenário
político e professoral ao explicar para os seguidores como retirar os
benefícios. Seus vídeos têm números de visualização comparáveis a
estrelas da música pop, como Anitta. No dia 8 de agosto, por exemplo,
ele passou o número de interações de Bolsonaro e está com taxa de
interação maior que a do presidente durante toda a pandemia, mesmo tendo
7 milhões de seguidores a menos. Em 18 de agosto ele ultrapassou o
número de views de vídeo de Bolsonaro pela primeira vez, dando a notícia
de prorrogação do auxílio emergencial.
Um dos hits de Janones é a live em que ele reage ao processo de
cassação aberto no Conselho de Ética da Câmara por ter chamado colegas
da Casa de corruptos nas redes sociais. De acordo com o deputado,
foram 32 milhões de visualizações, o que faz da live do auxílio
fichinha. A estética amadora é intencional e ele não pretende mudar.
Fica algo muito verdadeiro, natural, intimista e personalizado,
afirmou.
O deputado diz que tem sido cortejado com pedidos de apoio Brasil afora e
que não vai ser candidato a prefeito, nem apoiar ninguém fora de sua
cidade natal e arredores. O Avante chegou a considerar Janones como
candidato a prefeito de Belo Horizonte, mas deve lançar o vereador
Fernando Borja.
Deputado de primeiro mandato por um partido do Centrão, o Avante
(Ex-PTdoB), ele se recusa a dizer se é de esquerda, de direita ou de
Centro. Enquanto seu partido tem uma taxa de governismo de 77%, Janones
só deu 49% dos votos a favor de Bolsonaro na Câmara. Ele afirma que
pretende se distanciar da polarização -- não me permito me rotular -- e
que isso não significa ficar em cima do muro.
O Brasil real está se lixando para defender ou criticar o presidente ou
a oposição. O Brasil de verdade está preocupado em colocar comida na
mesa. Eu quero representar o interesse da a maioria, e hoje só se dá voz
aos extremos. O povo preocupado se o auxílio vai aumentar ou diminuir, e
na TV Câmara e nas redes sociais a esquerda chamando o presidente de
Bozo e de laranjal e a direita, de mito, disse. Essa posição de
destaque não reflete a mim, ao meu partido, minha bancada e nenhum
segmento ideológico. Tenho seguidores que são eleitores do Bolsonaro, do
PT, do Centro, todo o espectro político.
Janones afirma que, do vereador ao presidente da República, a classe
política em colisão ideológica está desconectada da população e será não
será perdoada por ter responsabilidade pelo que ele prevê como
consequência para um futuro breve, com o quadro de recessão. A nova
medida provisória do auxílio, segundo ele, não passa no Congresso com
valor de R$ 300. ACABO DE DECIDIR que não vou sair de Brasília nem por
um minuto nas próximas semanas!, escreveu ele nesta quarta-feira, 2, no
Facebook.
Mais tarde, ao Estadão, Janones afirmou que a fome voltará a ser o maior
problema do País. O governo está certin (sic) em falar em
responsabilidade fiscal, o momento é que está errado, no meio de uma
pandemia, com milhares de mortos e milhões de pessoas à beira da
miséria. Gasta o que tiver que gastar, endivida o que tiver que
endividar e depois a gente une o País e corre atrás do prejuízo. Não dá
para, sob pretexto de salvar as futuras gerações, matar a presente,
disse ele.
Fonte: O Tempo
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