Caso Mariana Ferrer: Julgamento termina com sentença inédita de estupro culposo

Acusado de estuprar Mariana Ferrer, André Aranha foi absolvido (Reprodução)
Em 03/11/2020 às 18:00
O caso Mariana Ferrer ganhou mais um capítulo na manhã desta terça-feira, 3, após o The Intercept Brasil
ter acesso a excrescência jurídica que em setembro deste ano absolveu
André de Camargo Aranha da acusação de estupro de Mariana Ferrer. O
empresário foi acusado de estuprar a promoter de 23 anos durante uma
festa em 2018. O promotor Thiago Carriço de Oliveira classificou o
estupro como culposo, crime que não está previsto na lei brasileira.
Desta forma, Aranha conseguiu a absolvição do caso. Além da decisão, o
site teve acesso à gravação do julgamento, que mostra o advogado de
Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, humilhando a vítima. As
informações chocaram os internautas que fizeram o caso ser, mais uma
vez, um dos assuntos mais comentados do Twitter com hashtags como
#justicapormariferrer, estupro culposo, vítima, humilhada e
juiz.
Inicialmente, Aranha havia sido condenado pelo promotor Alexandre Piazza
por estupro de vulnerável, quando a vítima está sob efeitos
entorpecentes ou álcool e não é capaz de consentir ou se defender. Ele
também solicitou a prisão preventiva do acusado, que foi aceita pela
justiça, mas foi derrubada em liminar em segunda instância pela defesa
de Aranha. A sentença mudou após Piazza deixar o caso para, segundo o
Ministério Público, assumir outra promotoria. Quem assumiu o processo
foi Thiago Carriço de Oliveira, que classificou o crime como estupro
culposo. Segundo Oliveira, não havia como o empresário saber que a
jovem não estava em condição de consentir o ato sexual e, por isso, não
existiu a intenção de estuprar. O juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara
Criminal de Florianópolis, concordou com a tese de Oliveira e absolveu
Aranha.
Em gravações obtidas pelo The Intercept Brasil, o advogado da defesa
mostra fotos de Mariana antes do caso para argumentar que a relação foi
consensual. Gastão classifica as imagens como ginecológicas e diz que
jamais teria uma filha do teu nível após a vítima acusá-lo de assédio
moral. Eu também peço a Deus que o meu filho não encontre uma mulher
como você, diz o advogado de Aranha. Mariana fica abalada com as
declarações. Gastão segue acusando a jovem de fazer um showzinho. Não
adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de
crocodilo, repreende. Excelentíssimo, eu tô implorando por respeito,
nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor
de Deus, gente. O que é isso?, pede a jovem depois do juiz intervir e
dizer que Mariana poderia pausar o julgamento para beber uma água.
Nem os acusados de assassinato são tratados como eu estou sendo
tratada, completa.
Entenda o caso
A influenciadora Mariana Ferrer tinha 20 anos quando se tornou
embaixadora de um requintado beach club em Florianópolis, o Cafe de La
Musique. Um ano depois, a jovem reuniu coragem para denunciar um estupro
dentro do estabelecimento. Segundo Mariana, em 15 de dezembro de 2018,
ela foi dopada e violentada por um empresário, que seria amigo dos
proprietários do local. O caso todo veio à tona nas redes sociais da
própria Mariana, que, em busca de justiça, resolveu tornar a situação
pública. Não é nada fácil ter que vir aqui relatar isso. Minha
virgindade foi roubada de mim junto com meus sonhos. Fui dopada e
estuprada por um estranho em um beach club dito seguro e bem
conceituado da cidade, disse ela, ao falar sobre o assunto pela
primeira vez. Mariana utilizou a rede social para expor detalhes do
ocorrido na noite de dezembro. Vídeos em que aparece se apoiando nas
paredes, sem conseguir andar sozinha, prints pedindo socorro a amigas
que estavam no local, além da foto do vestido que usava na noite todo
ensanguentado.
Segundo uma reportagem da revista Marie Claire à época, os exames
feitos por Mariana comprovaram o estupro. O sêmen encontrado na calcinha
da jovem, que era virgem, era de André de Camargo Aranha, atualmente de
43 anos, empresário influente do ramo do futebol, apontado como amigo
de jogadores famosos. Desde a denúncia, Mariana Ferrer promoveu uma
verdadeira cruzada contra seus abusadores nas mais diversas plataformas.
A hashtag #justicapormariferrer possui centenas de milhares de
comentários questionando a atuação da Justiça, e já chegou aos mais
diversos perfis, como o da cantora Ludmilla, da atriz Débora Nascimento e
da também influencer Débora Aladim. O caso da Mari Ferrer é uma
derrota para todas as mulheres. Ela foi estuprada, tem vídeo, tem
conversa, tem exame que comprovou que tinha sêmen do estuprador nela e
que ela foi drogada para ficar desacordada. Ser mulher no Brasil é ter
um alvo nas costas, escreveu.
Em agosto, depois de acusar a defesa de Aranha manipular os conteúdos
contendo denúncias compartilhados por ela no Instagram, a conta foi
suspensa e até agora não foi recuperada. Ela escreveu: A defesa de
forma sórdida e ardilosa protocolou dentro do processo fotos manipuladas
como se eu estivesse nua (nunca fotografei assim) e anexou junto um
site indevido fazendo correlação ao produto de skincare que já divulguei
como influenciadora juntamente das imagens deturpadas. Em sentença
publicada em 9 de setembro, o juiz Rudson Marcos, absolveu Aranha. O
magistrado acatou os argumentos da defesa, que houve ausência de provas
contundentes nos autos. Segundo o Ministério Público de Santa Catarina
(MP-SC), responsável pela acusação, as provas da autoria são
conflitantes entre si. Portanto, como as provas acerca da autoria
delitiva são conflitantes em si, não há como impor ao acusado a
responsabilidade penal, pois, repetindo um antigo dito liberal, melhor
absolver cem culpados do que condenar um inocente. A absolvição,
portanto, é a decisão mais acertada no caso em análise, em respeito ao
princípio na dúvida, em favor do réu (in dubio pro reo), com base no
art. 386, VII, do Código de Processo Penal, escreveu o juiz.
O magistrado afirma, na sentença de mais de 51 páginas, que não é
possível saber quem está mentindo. Diante das versões controvertidas,
vislumbra-se não ser possível aferir quem faltou com a verdade, sendo
notório que o relato da vítima é prova isolada nos autos, corroborada
tão somente por sua genitora. A versão não está em harmonia com os
demais elementos probandi colhidos durante a instrução criminal, gerando
dúvidas em relação à prática delitiva em comento. Diante disso, não há
como condenar o acusado por crime de estupro, quando os depoimentos de
todas as testemunhas e demais provas (periciais) contradizem a versão
acusatória.
Fonte: Jovem Pan

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