Justiça determina que Governo do Estado reforme unidades socioeducativas e evite superlotação

Centro Educacional Patativa do Assaré foi visitado em julho pelo Cedeca Ceará, que constatou denúncias de violência institucional. (Foto: Fábio Lima)
Em 22/07/2021 às 06:45
Após decisão judicial, o Governo do Ceará deve reformar, no prazo de um ano, sete unidades socioeducativas do Estado, além de evitar a superlotação nos centros não internando adolescentes em unidades com ocupação 30% acima do limite. O poder estadual também deve garantir profissionais de saúde e medicamentos para internos.
A medida decidiu sobre uma Ação Civil Pública (ACP) protocolada ainda em 2009 pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca). A decisão em primeira instância foi expedida em 2019 pela 3ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza e confirmada, em segunda instância, no último dia 7 de junho pela desembargadora Lisete de Sousa Gadelha, do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).
A Justiça determinou também que não seja aplicada nenhuma medida de contenção (a exemplo das "trancas") que viole a dignidade humana. Conforme a decisão, o Estado deve apresentar as medidas tomadas para prevenir conflitos entre profissionais e adolescentes nos Centros Educacionais em até 120 dias.
Apesar de tardia, a decisão segue atual, conforme destaca o advogado Renan Santos Pinheiro, assessor jurídico do Cedeca Ceará. O que o Estado tem alegado é que tem cumprido essas disposições, mas temos argumentado que existem mudanças e reformas a serem feitas, salienta. Ele reconhece a complexidade envolvida na ação, mas cita também a "morosidade" da Justiça em relação a processos coletivos de maior proporção.
Segundo ele, de junho a julho deste ano o Cedeca realizou inspeções em três centros educacionais: Cardeal Aloísio Lorscheider, Patativa do Assaré e Dom Bosco, todos localizadas em Fortaleza. Em uma das unidades, ainda foi constatada a existência de trancas.
"As realidades que vimos mostram que essas medidas [da Justiça] são atuais. Ainda existem muitas necessidades de atendimento médico, encontramos no Patativa de Assaré muitas denúncias de violência institucional praticadas por agentes do Estado e um ala disciplinar completamente falida e degradante, conhecida como 'tranca", afirma.
A "cela forte" ou "tranca" é um local sem ventilação ou iluminação, colchão, e de acesso restrito. Os internos que recebem o castigo ficam sem comunicação e proibidos de participar das atividades de educação e lazer.
A presença desses locais foi denunciada ainda em 2008 na publicação "Monitoramento das unidades de privação de liberdade de adolescentes no estado do Ceará", realizado pelo Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente - Ceará (EDCA).
Ainda segundo o advogado Renan Santos, os adolescentes enfrentam obstáculos para o acesso a tratamento médico e existem déficit de profissionais. Muitas unidades ainda estão fora do padrão do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
O Governo ainda pode recorrer da sentença judicial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). Caso não consiga reverter a decisão, pode estar sujeito a multas de valor altíssimo, conforme o assessor jurídico do Cedeca Ceará.
Em nota, a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas) afirma que todas as demandas apontadas pela Ação Civil Pública foram solucionadas, por meio da elaboração de um plano de gestão.
O órgão enfatizou que as "trancas" não existem mais nas unidades, conforme implantação de um novo regime disciplinar nos centros socioeducativos. Em relação à superlotação, a Seas também defende que não há unidades superlotadas no Estado.
"Destacamos que houve a implementação de um processo de reordenamento do Sistema de Atendimento Socioeducativo com o objetivo de qualificar o serviço prestado aos adolescentes, realizando, para tanto, adequação arquitetônica das unidades, realização de seleção e contratação de quadro próprio de servidores, além da regulamentação de todas as rotinas e dinâmicas operacionais", aponta o órgão em nota.
Em setembro de 2020, um relatório apontou situações de violência física e psicológica no Centro Aldaci Barbosa, em Fortaleza. As denúncias foram recebidas pelo Cedeca, pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Ceará (CEDDH) e pelo Fórum Cearense de Mulheres (FCM), durante visita.
As violações incluíam utilizar roupas íntimas de outras pessoas, ficar na "solitária" algemada por horas e levar castigos por ser LGBT.
Violações históricas
A Ação Civil Pública contra o Governo do Estado foi protocolada pelo Cedeca Ceará com base em irregularidades constatadas em inspeções realizadas pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), entre agosto de 2007 e janeiro de 2008.
À época, unidades com capacidade para 60 adolescentes abrigavam até 220 internos. A resolução nº 46 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) estabelece o número de 40 adolescentes por Unidade de Internação.
Devido à superlotação, os adolescentes dormiam em colchões no chão por falta de camas. Havia ainda um número insuficiente de profissionais e ausência de privacidade para uso do banho e instalações sanitárias.
Fonte: O Povo
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