É impactante, mas 24 crianças e adolescentes do Ceará
precisam de proteção do Estado para continuar vivendo por correrem
riscos reais de homicídio. Atualmente, 51 pessoas estão incluídas no
Programa Estadual de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de
Morte do Estado do Ceará (PPCAAM-CE), de acordo com a Secretaria de
Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS).
Destas, são 15 crianças, nove adolescentes e 27 familiares adultos que
os acompanham.
A iniciativa foi lançada oficialmente em novembro de 2013. Em agosto
deste ano, o Programa teve mais R$ 7,9 milhões de recursos garantidos
por meio de parceria entre o Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos (MMFDH) e a SPS. Cada órgão vai fornecer metade do
valor total. O convênio terá vigência até fevereiro de 2024.
Conforme balanço do MMFDH, o Programa cearense já protegeu 365
indivíduos no Estado, sendo 82 crianças, 145 adolescentes e 138 adultos.
Ele consiste em medidas de proteção da integridade física e
psicológica, acompanhamento psicossocial e jurídico e reinserção social
em um novo local seguro. O prazo de permanência varia de meses a anos.
"A gente costuma falar que o PPCAAM deve ser a última das medidas da
rede de proteção, pela complexidade que é retirar essas pessoas do local
onde viveram a vida inteira. Às vezes, elas nasceram e se criaram lá,
mas de repente chega essa fase em que são obrigadas a sair por uma
situação de ameaça", explica Rachel Saraiva Leão, assessora do Núcleo de
Apoio aos Programas de Proteção (Napp) da SPS.
Violência urbana
Segundo a técnica, a inclusão de crianças e adolescentes no Programa tem
como pano de fundo a violência urbana promovida por grupos criminosos, e
não necessariamente os protegidos tinham envolvimento direto com as
organizações. "Já fizemos a proteção de um adolescente que estava sendo
ameaçado pelo crime organizado, num desses residenciais, porque queriam
que ele entrasse pro crime e ele não. A família começou a perceber uma
mudança de comportamento, uma tristeza", lembra.
Sexo masculino, negro, morador da periferia: o perfil dos protegidos,
aponta Rachel, é semelhante ao já levantado pelo Comitê Cearense pela
Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA), da Assembleia
Legislativa. Em nota técnica recente, a entidade apontou que, de janeiro
a setembro de 2020, 14 crianças com menos de seis anos de idade foram
assassinadas no Ceará. A quantidade de homicídios neste ano, contra esse
grupo etário, é a maior dos últimos 10 anos.
Entre 2010 e 2019, foram 64 vidas encerradas nos primeiros anos de
existência pela violência. Dentre as hipóteses, o Comitê aponta que
meninos e meninas jovens podem ser "vítimas de uma violência cujo alvo
principal seja um parente próximo", ou cuja morte seria uma maneira de
"provocar sofrimento intenso nos responsáveis pelas crianças".
Deiziane Aguiar, doutoranda em Ciências Sociais e pesquisadora do
Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará
(LEV/UFC), pontua, a partir de relatos colhidos na comunidade Serviluz,
em Fortaleza, que jovens ameaçados "têm maior evasão escolar e do
ambiente comunitário, se afastam de suas interações, entram em
confinamento e põem em risco suas redes familiar, afetiva e
comunitária".
Para a estudiosa, a ameaça leva a três mortes. A simbólica e a social,
marcadas por um "abandono tanto da família quanto da sociedade no
momento em que mais eles estão precisando de apoio", precedem a física.
"Infelizmente, o PPCAAM não consegue proteger todo mundo. Às vezes,
também falta acompanhamento por eles estarem nessa redoma do abandono
social. Só quando já estão no aspecto extremo é que se procura apoio",
lamenta.
Para Renan Santos, assessor jurídico do Centro de Defesa da Criança e do
Adolescente (Cedeca-CE), a violência contra essa faixa etária também
está vinculada a problemas sociais como "pobreza, desemprego, violência
de gênero e falta de acesso a bens materiais essenciais". Ele observa
que o PPCAAM é "radical", mas "uma política de caráter essencial" por
resguardar o direito à vida.
Como parte da rede nacional de PPCAAMs, implantada em 17 unidades
federativas, o Ceará tanto envia pessoas para proteção em outros estados
como acolhe protegidos dos demais. Embora respaldada pela legislação,
Rachel Saraiva afirma que a mudança do nome de registro não é comum nos
casos cearenses.
No geral, a equipe multidisciplinar do Estado, formada por profissionais
como advogados, psicólogos e assistentes sociais, busca estabelecer um
acolhimento integral dos incluídos. "Essa equipe vai fazer o atendimento
e compreender todos os aspectos para além da ameaça. A condição de vida
daquele núcleo é que vai definir para onde eles vão, não só dando vazão
à ameaça, mas encaminhando para outros aspectos de moradia,
alimentação, educação e saúde", enumera a assessora.
"É preciso garantir segurança de sobrevivência (de rendimento e de
autonomia); segurança de acolhida e segurança de convívio comunitário ou
vivência familiar", complementa Renan Santos, do Cedeca-CE. "É
fundamental que as políticas básicas de educação, saúde - sobretudo na
atenção primária - e geração de trabalho e renda sejam garantidas para a
adolescência e juventude, como forma de enfrentar a problemática da
violência letal".
Inclusão
A inserção no PPCAAM ocorre a partir de indicação das chamadas "portas
de entrada", dentre as quais: Conselhos Tutelares, Defensoria Pública,
Ministério Público Estadual e Poder Judiciário do Estado. Para um caso
entrar no Programa de Proteção, os profissionais consideram a urgência e
a gravidade da ameaça; a situação de vulnerabilidade e o interesse do
ameaçado; a preservação e o fortalecimento do vínculo familiar, e a
disponibilidade orçamentária.
A proteção é efetuada retirando a criança e o adolescente ameaçado de
morte do local de risco, preferencialmente com seus familiares, e
inserindo-os em comunidade segura. Segundo Rachel Saraiva, o
planejamento conta com a colaboração da área de inteligência da
Segurança Pública.
Fonte: Diário do Nordeste
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