Ceará tem alta na taxa de transmissão da Covid; especialistas apontam possibilidade de segunda onda

Especialistas apontam relaxamento exagerado nas medidas de prevenção por
parte da população como impulsionador de uma nova fase de alta
incidência (José Leomar/SVM)
Em 24/10/2020 às 09:45
O Ceará pode estar prestes a vivenciar uma nova onda de casos da
Covid-19, conforme aponta análise feita pelo Comitê Científico do
Consórcio Nordeste publicada ontem (23). O boletim alerta para o risco
epidêmico de transmissão entre 1,01 e 1,50, ou seja, indica que uma
pessoa pode transmitir o vírus para mais de um indivíduo, dado
considerado um importante sinalizador para nova fase de grande
incidência.
O Comitê cita o número de reprodução do novo coronavírus simbolizado
pelo R(t) para embasar a previsão. R(t) maior que 1 é consistente,
segundo modelo Mosaic-UFRN, com uma nova onda, ou uma mudança na
metodologia de distribuição dos dados, diz o parecer. O modelo em
questão trata-se de um sistema matemático de análise de dados, de acordo
com o neurocientista Miguel Nicolelis, coordenador da entidade.
A tabela do número de reprodução está em 1,50, e é uma média de sete
dias. Esse é um modelo muito preciso, ele tem sido muito bom até agora.
Em boletins anteriores, o resultado das nossas previsões foi comprovado
na vasta maioria das vezes, destaca o médico. Esse índice esteve em
queda até o fim de agosto. Já na primeira semana de setembro, o número
de reprodução havia se estabilizado em 0,7.
Os gráficos apresentados no boletim indicam, ainda, que embora o pico da
doença já tenha ocorrido no Estado, há uma retomada de crescimento de
casos. Com relação às hospitalizações, os registros são de que houve um
pico no mês de junho e que há uma tendência de queda para as próximas
semanas.
Na análise de óbitos decorrentes da doença, o Comitê Científico avalia
que também já houve o pico e há uma tendência de decaimento diário para
as próximas semanas.
O relatório destaca a testagem da população no Ceará como um ponto
positivo nas medidas de combate à pandemia do novo coronavírus, tendo um
aumento significativo no último mês. Os modelos mostram números
consistentes entre indivíduos testados e previstos, acrescenta o
boletim da entidade.
O Ceará concentrava, até a tarde de ontem (23), 269.255 casos
confirmados de Covid-19 e 9.245 mortes em decorrência da enfermidade. Os
dados são da plataforma IntegraSUS, da Secretaria da Saúde do Ceará
(Sesa), atualizada às 16h55. O número de pessoas recuperadas chega a
230.203.
Causas
O Comitê responsabiliza o acomodamento da sociedade e a realização das
campanhas eleitorais como impulsionadores do aumento de casos.
Certamente, um dos fatores que mais contribuem para esses aumentos é a
campanha eleitoral, que vem gerando inúmeras aglomerações em todos
locais, onde pessoas desprezam todas as normas sanitárias indicadas pela
Organização Mundial de Saúde e outras consideram que o uso de máscara é
segurança total contra a transmissão da Covid-19.
Os cientistas destacam que invariavelmente, nas aglomerações o risco
desse tipo de contaminação aumenta consideravelmente, gerando a
expectativa de que, no período pós-eleição, possa ocorrer uma segunda
onda da epidemia, diz a publicação.
A virologista, epidemiologista e professora da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Ceará (UFC), Caroline Gurgel, compartilha
análise semelhante do cenário de formação de uma nova onda da doença
pandêmica no Ceará. Além das aglomerações no período eleitoral, ela
observa que o relaxamento nas medidas sanitárias pessoais também
contribui para o cenário negativo no Estado.
Houve uma acomodação quanto aos cuidados com a própria saúde e com a
saúde coletiva. É muito comum agora vermos pessoas sem uso de máscara,
se aglomerando em espaços pequenos, com ar-condicionado. E isso vai
fazer com que o vírus circule cada vez mais, reitera.
Transporte coletivo
A culpa, porém, não pode ser atribuída exclusivamente a comportamentos
individuais. A recomendação é continuar usando máscara, e se possível
ficar em casa, mas também que as empresas melhorem a qualidade de vida
do trabalhador quanto ao transporte coletivo. Não é somente preocupar-se
em lotar shopping ou praia, mas o veículo em que a pessoa está se
deslocando. Não adianta manter o distanciamento social na fila, e dentro
do ônibus ficar um ao lado do outro, pondera a virologista.
Luciano Pamplona, epidemiologista e professor do Departamento de Saúde
Comunitária da UFC, descarta que o crescimento recente do número de
casos de Covid em alguns pontos do Ceará seja causado pela
flexibilização de atividades econômicas: para ele, a alta está
diretamente ligada ao início das campanhas.
A implantação dos comitês e o corpo a corpo que o período exige,
principalmente em eleição para vereador e prefeito, certamente
contribuíram para esse aumento importante. Flexibilizamos 95% da
economia, há cerca de cinco meses, sem nenhum aumento, afirma.
O médico analisa, contudo, que o aumento ainda é percentualmente
pequeno e precisa ser acompanhado por mais tempo para ser classificado
como uma tendência de segunda onda mas é enfático sobre a cautela que
é necessária para evitar um novo pico de casos e mortes em decorrência
do novo coronavírus.
Temos que ter a clareza de que o vírus continua no nosso ambiente: o
que mudou foi o nosso comportamento. Não estamos na crise vivida em
maio, mas também não podemos dizer que estamos livres. O desafio é
comunicar às pessoas que é preciso manter o distanciamento, que é
necessário o uso de máscara. Se não fizermos isso, vamos ter de
retroceder, adverte.
Caso o Ceará se encontre, de fato, submerso em uma segunda onda da
pandemia, os efeitos não devem ser tão graves quantos os vistos entre
abril e junho.
Na Europa, onde está tendo segunda onda, houve um aumento de casos, mas
isso não se converteu em mortalidade, principalmente porque o serviço
de saúde aprendeu a manejar os pacientes de forma precoce. Um aumento de
internação até temos visto aqui, mas com certeza não vai se repercutir
em relação ao número de óbitos, prevê.
Restrições
Um arrocho e um retrocesso maiores nas medidas restritivas do Governo do
Estado, considera o médico, dependem do comportamento da população.
Diferentemente daquele primeiro momento, não precisamos voltar a ter
isolamento social, esse discurso nem cabe mais. Mas o distanciamento
físico é necessário. Se precisa trabalhar, vá. Se precisa ir pra escola,
vá. Mas faça isso tentando manter a distância mínima, utilizando
máscara. O grande aprendizado dessa pandemia foi a importância da
máscara como uma barreira física para conter o risco de transmissão. Se a
gente conseguisse fazer isso, voltaria às atividades com mais
segurança, finaliza.
Para prevenir uma nova onda de infecção da Covid-19, o Comitê Cietífico
do Consórcio Nordeste recomenda aos governos estaduais que sejam tomadas
medidas de implantação de estandes sanitários nos aeroportos e
obrigatoriedade de quarentena de 14 dias para os turistas que não
apresentem atestados.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria da Saúde do Estado
(Sesa) para confirmar se a Pasta trabalha com a possibilidade da nova
onda de Covid-19 no Ceará, mas não recebeu resposta até o fechamento da
edição.
Fonte: Diário do Nordeste

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