Caso Mariana Ferrer: CNJ apura sessão sobre estupro por 'tortura psicológica'
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CNJ avalia investigar juiz do caso Mariana Ferrer (The Intercept/Reprodução) Em 04/11/2020 às 11:00 |
A Corregedoria Nacional de Justiça abriu procedimento
disciplinar para apurar a conduta do juiz Rudson Marcos, de Santa
Catarina, que presidiu audiência de julgamento de um processo de estupro
e permitiu que o advogado do réu atacasse a jovem de 23 anos que fez a
denúncia. A seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
também notificou o defensor, Cláudio Gastão da Rosa Filho, para
investigar possíveis desvios éticos do profissional. O empresário
acusado de abuso sexual foi inocentado.
A influenciadora digital Mariana Ferrer alega ter sido dopada e
estuprada no camarote VIP de um beach club em Jurerê Internacional em
dezembro de 2018. O empresário chegou a ser denunciado pelo Ministério
Público e teve pedido de prisão temporária aceito pela Justiça, mas que
acabou suspenso em segunda instância.
A decisão da 3ª Vara Criminal de Florianópolis que inocentou o
empresário André Aranha da denúncia de estupro é de 9 de setembro, e o
caso ganhou repercussão após site The Intercept Brasil divulgar detalhes
da sessão de audiência onde advogado Gastão.
Com o argumento de que a relação foi consensual, a defesa do empresário
exibiu, na audiência, fotos sensuais feitas pela jovem antes do
episódio, e sem qualquer relação com o fato. O advogado de Aranha,
Cláudio Gastão, chegou a dizer que a menina tem como "ganha-pão" a
"desgraça dos outros". Apesar das intimidações, o juiz não repreendeu.
Em determinada altura da audiência, a jovem chegou a implorar ao
magistrado por respeito. "Excelentíssimo, estou implorando por respeito,
nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo
amor de Deus, gente. O que é isso?".
O pedido de investigação na corregedoria, órgão do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), partiu do conselheiro Henrique Ávila. Em ofício enviado à
corregedoria, ele classificou as imagens como "sessão de tortura
psicológica no curso de uma solenidade processual".
"Causa-nos espécie que a humilhação a que a vítima é submetida pelo
advogado do réu ocorre sem que o juiz que preside o ato tome qualquer
providência para cessar as investidas contra a depoente. O magistrado,
ao não intervir, aquiesce com a violência cometida contra quem já teria
sofrido repugnante abuso sexual", disse Ávila, que também destacou o
fato de a vítima reclama de um tratamento que não é dado nem a acusados
de crimes hediondos.
Entre as punições que podem eventualmente ser aplicadas pelo CNJ ao juiz
estão advertência, censura, remoção compulsória, aposentadoria
compulsória e demissão.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina disse apenas que também abriu
investigação interna para apurar a conduta do magistrado na audiência.
Acusação
A denúncia foi oferecida em julho de 2019 pelo promotor Alexandre
Piazza, que deixou o caso após transferência voluntária. O promotor
Thiago Carriço, que assumiu o caso, considerou jurisprudências
apresentadas pela defesa apontando para falta de dolo (intenção). "Em
que pese haver registro de possível recusa da vítima, tal se deu após a
prática da relação sexual ou libidinosa, quando a vítima manda mensagem
para uma amiga informando que 'não queria esse boy' ou quando a vítima,
já em casa, relata não ter consentimento em praticar qualquer ato
sexual."
Defesa e MP sustentaram que a jovem estava consciente durante o ato
sexual - e não sob forte efeito de drogas -, portanto não haveria
estupro de vulnerável. O juiz concordou que não poderia ser
caracterizado como estupro de vulnerável.
O MP catarinense disse, porém, que a absolvição não foi baseada no
argumento de "estupro culposo" (sem intenção), como afirmou o The
Intercept, mas "por falta de provas de estupro de vulnerável". O
advogado de Ferrer negou que a absolvição tenha sido por "estupro
culposo" e disse que "essa figura jurídica não existe no Brasil".
Em nota, o advogado Gastão disse que os fatos "foram completamente
esclarecidos após investigação policial e nos autos processuais", que
apontaram "relação consensual" e "foi atestado que ambos estavam com a
capacidade cognitiva em perfeito estado", conforme "peritos". Não
comentou os ataques à jovem na audiência. Disse ainda que "estupro
culposo" "não é terminologia jurídica", e que em nenhum momento o termo
foi utilizado pelo juiz.
Fonte: Diário do Nordeste
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